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Dia da Mulher: o ciclo invisível das histórias de violência e os desafios para romper silêncio

8 de março de 2025

/ by visao surubim

Segundo o site https://www.folhape.com.br/noticias: Entre traumas, barreiras sociais e falta de acolhimento, mulheres enfrentam dificuldades para sair de relações abusivas e acessar proteção no Brasil

Desigualdade no acesso à justiça também impacta diretamente a proteção das vítimas - Foto: Valter Campanato/Agência Brasil                                                                                                                                                              No Brasil, a cada 8 minutos uma mulher é vítima de estupro. Em um único ano, 51 mil são mortas por seus parceiros ou membros da família, o que equivale a 140 assassinadas por dia apenas por serem do sexo feminino.

Os dados se referem, respectivamente, aos anos de 2022 e 2023, e fazem parte do Relatório Anual Socioeconômico da Mulher (Raseam) e do Anuário da ONU Mulheres sobre o assassinato de mulheres e meninas no mundo.

“Todo mundo conhece uma mulher que já foi violentada”. Esta frase da militância feminista carrega uma verdade que se mostra cada vez mais atual e que perigosamente se solidifica na sociedade, destruindo vidas e perpetuando um ciclo de violência.

Genilda* (55) e Jussara* (50) ilustram uma das milhares de histórias que envolvem a violência contra a mulher. Irmãs, com cinco anos de diferença, as duas nasceram na zona rural do município de Machados*, no interior de Pernambuco.

“Meu pai trabalhava na lavoura de um homem que tinha um sítio e morávamos em uma casinha no pedacinho de terra que esse dono deu para a nossa família”, explica Genilda, que foi a primeira a nascer.              As irmãs contam que tiveram a infância marcada pela rejeição do pai, que sempre esperou um filho homem, que pudesse ajudá-lo nos afazeres do trabalho na lavoura.

“Logo assim que nasci minha mãe contou que meu pai ficou muito triste. Ele quase não esperou o tempo de recuperação do pós-parto para tentar um novo filho”, destaca Genilda.

“Naquela época tinha um preconceito muito grande, se não desse filho homem na família, as pessoas falavam que o pai não prestava para fazer filho e isso deixava ele aperreado”, completa Jussara.

A violência começou quando o segundo filho do casal morreu com menos de dois meses de idade.                                                                                 “Acho que foi de desinteria, naquela época ninguém sabia bem. Ele ficou muito doente e logo morreu. Depois disso, meu pai se revoltou contra minha mãe, falava que ela era a culpada, por não ter cuidado bem do bebê. Foi nessa época que começou a bater nela e forçar relações sexuais para tentar outro filho”, relata Genilda.

“Menos de um ano depois disso tudo, nasceu Jussara. Foi outro momento complicado”.

Com a chegada da segunda filha menina após a morte do filho homem, o pai das irmãs começou a violentar também as filhas.

“Ele batia muito na gente. Nunca fez outra coisa, mas batia muito. Parece que tinha raiva porque a gente era menina”, lembra Jussara.                                                                                                                                 

  Segundo ela, as duas começaram a ser agredidas pelo pai por volta dos 5 e 10 anos.

“Com a minha mãe era muita violência sexual e agressão física. Com a gente, era desprezo. Lembro de um dia estar brincando de casinha e ele ter chutado minhas bonecas, falando que eu era uma inútil. Não gostava mesmo de ver que tinha duas filhas meninas”, destaca a mais nova.

As irmãs cresceram e viram o pai fugir de casa e a mãe morrer jovem.

“Minha mãe ficou muito doente antes de morrer, com problema de diabetes e depois coisas da circulação no sangue. Quando a perna dela inchava, ela ficava sem andar e sem fazer as coisas em casa. Ele não aguentou ajudar e foi embora, nunca mais ficamos sabendo de nada”, diz Jussara.                                                                                                          Para as duas, a vida seguiu para sempre com as marcas da violência. Uma realidade que, de acordo com o Raseam, trata-se de “uma instituição social, que funciona como um mecanismo mantenedor de relações sociais de dominação e exploração”.

Ciclo de violência

A violência que atravessa a vida de Genilda e Jussara revela um ciclo que se repete em milhares de lares brasileiros, mas que muitas vezes permanece invisível aos olhos da sociedade.

A dependência emocional, o medo e a falta de informação são algumas das amarras que dificultam a ruptura desse ciclo. Para a psicóloga Jane Freitas, professora da Universidade de Pernambuco (UPE), a violência contra a mulher se manifesta de forma complexa e nem sempre perceptível, o que torna ainda mais difícil o processo de reconhecimento por parte da vítima.

“As violências contra as mulheres são tantas e de tantas formas que, embora ‘catalogadas’, elas têm uma complexidade que não é simples identificar e reagir”, explica.

                                                                    Para Jane Freitas, violência contra a mulher se manifesta de forma complexa e nem sempre perceptível. Foto: Divulgação

A psicóloga destaca que a violência psicológica é um dos principais mecanismos que sustentam as relações abusivas, muitas vezes mascarada por comportamentos que parecem demonstrações de afeto.

“Algumas atitudes aparentemente simples, como controle da roupa ‘para não parecer vulgar’ ou ‘não saia sozinha’, podem fazer com que a mulher se sinta protegida e cuidada pelo parceiro, sem perceber que ações assim vão, aos poucos, isolando-a do convívio social e cerceando suas vontades e desejos”.

Rede de acolhimento

A dificuldade em romper o ciclo de violência não se limita à percepção do abuso, mas também à falta de uma rede de acolhimento acessível.

“Sem dúvidas, acompanhamento psicológico é fundamental para que cada pessoa consiga identificar esses sinais opressores e possa se fortalecer para tomar alguma atitude em prol do autocuidado. Mas não é fácil. É preciso ter bastante coragem”, afirma Jane Freitas.

A especialista destaca que o acesso ao cuidado psicológico gratuito ainda é insuficiente, especialmente nas periferias, onde a maioria das mulheres vítimas de violência vive.

O suporte psicológico, no entanto, precisa estar articulado a outras políticas públicas para garantir proteção integral às vítimas.

Nesse sentido, a advogada criminalista Maria Julia Leonel reforça a importância da Lei Maria da Penha, mas aponta as falhas na sua aplicação.

“A eficácia da Lei Maria da Penha está diretamente ligada à sua aplicação. A punição do agressor é necessária, mas ela precisa vir acompanhada de mecanismos de acolhimento que garantam que a mulher vítima de violência seja recebida adequadamente pelos agentes públicos, sem sofrer revitimização ou culpabilização”, afirma.

Entre as principais dificuldades, estão as limitações das medidas protetivas, que, embora sejam concedidas rapidamente, nem sempre garantem a segurança da vítima.

“O Estado não pode garantir vigilância constante, o que torna a eficácia da medida protetiva relativa. Além disso, a punição pela quebra da medida ainda é ineficiente, dificultando a prisão preventiva do agressor ou o monitoramento eletrônico”, explica a advogada. 

                                                                Advogada Maria Julia Leonel reforça importância da Lei Maria da Penha, mas aponta falhas. Foto: Divulgação

         Justiça

A desigualdade no acesso à justiça também impacta diretamente a proteção das vítimas.

“Mulheres brancas e de classe média têm mais facilidade de buscar ajuda institucional, enquanto mulheres negras e periféricas enfrentam barreiras socioeconômicas que dificultam a denúncia e a busca por proteção”, pontua Maria Julia.

A violência patrimonial, muitas vezes invisibilizada, também é uma realidade que agrava a vulnerabilidade das mulheres.

“Mulheres frequentemente perdem sua autonomia financeira devido à violência psicológica e moral, e o reconhecimento dessa violação pelo Judiciário ainda enfrenta obstáculos, especialmente em processos de divórcio e partilha de bens”, acrescenta.

A ruptura do ciclo de violência exige, além de mecanismos punitivos, uma transformação cultural. Para Jane Freitas, a ampliação de ações educativas e de acolhimento psicológico é um caminho essencial para a prevenção da violência.

“Estar em situação de violência nos deixa perdidas de nós mesmas. Se tiver espaço de acolhimento logo ali, perto de nossa casa, fica bem mais fácil de chegar e não ficar sozinha, isolada”, explica.

Enquanto políticas públicas, redes de apoio e movimentos sociais seguem pressionando por mudanças, histórias como a de Genilda e Jussara continuam a revelar que romper o ciclo da violência ainda é um desafio marcado pela coragem - e pela ausência de suporte.

“É uma luta cotidiana, pela vida de todas as mulheres”, finaliza Jane Freitas.

*Nomes fictícios para preservar a identidade das entrevistadas.

              

          


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