Segundo o site https://g1.globo.com/pe/pernambuco: Segundo a corporação, apuração teve início nesta quinta (11), depois do recebimento de um documento do Ministério Público de Pernambuco. Parentes de adolescentes procuraram Gajop, que elaborou relatório.
A Polícia Civil deu início, nesta quinta (11), a uma investigação de uma denúncia de violência contra jovens infratores que estão internados em uma unidade da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase), no Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife. Elas surgiram a partir de informações repassadas por parentes de adolescentes ao Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), entidade que atua no combate a violações de direitos humanos. Um relatório do Gajop, elaborado em 19 de fevereiro, trata de “denúncias de graves violações de direitos e possíveis crimes cometidos contra os socioeducandos que cumprem medidas socioeducativas de internação no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case), do Cabo”. No documento, a entidade informa que a unidade é destinada a adolescentes do sexo masculino, a partir de 17 anos. Tem capacidade para 190 jovens e, na época, contava com 184 internos.O relatório disse que a unidade apresenta “uma característica peculiar de funcionamento que contradiz qualquer orientação legal e metodológica das diretrizes para o funcionamento das unidades socioeducativas”.
Segundo o Gajop, os adolescentes “são recrutados pela própria direção” para assumir a função de “representante” com a participação dos demais “socioeducandos” de cada pavilhão. Na prática, afirmou o Gajop, esses “representantes” são entendidos como “comando da unidade”, tidos os “loucos”. Eles exerceriam a "função de controle, punição, abusos" e “práticas de torturas deliberadas”, como "proposta metodológica cotidiana dentro da unidade", segundo o relatório.
Ainda conforme o relatório da entidade, os jovens teriam “total anuência da direção, que reforça essa forma de organização, ao coordenar a escolha desses representantes e realizar comunicação sistemáticas para reforçar esse tipo de atuação ilegal”. O documento do Gajop apontou que “as práticas de tortura dentro da unidade são parte da experiência de centenas de adolescentes de jovens que estão ou estiveram cumprindo medida”.
Um dos trechos do documento relatou o que foi chamado de uma "prática" de alguns desses jovens infratores.
"Ao passar nos alojamentos, se colocando de pé, com as mãos juntas para frente, todos do alojamentos, de forma indiscriminada, são obrigados a se agredirem fisicamente de forma violenta, ao ponto de quebrarem nariz, dentes, lesões nos olhos e demais áreas do corpo, e somente param ao comando do representante", disse o relatório do Gajop.
Em entrevista ao G1, nesta quinta, o técnico do Gajop Romero Silva disse que a entidade tem acompanhado um caso desde novembro, quando "algumas situações aconteceram”.
Ele informou que o problema foi desencadeado a partir do caso de um adolescente que deu entrada no Hospital Dom Helder Câmara, no Cabo, com hemorragia e perdeu o baço.
“As famílias têm compreendido as ações. Esses meninos têm que cumprir medida socioeducativa, mas dentro do espaço onde se garanta o respeito e a dignidade. Quando as situações passam dos limites, com os filhos chegando a comentar com os parentes, eles procuram o Gajop”, afirmou.
Ainda segundo o representante da organização, os internos repassam informações aos parentes e “confidenciam o que está acontecendo”.
Em virtude da Covid, as visitas estão suspensas nas unidades da Funase em todo o estado. Romero Silva disse que, por causa disso, a entidade está “em alerta máximo”. “ Estamos extremamente preocupados”, declarou.Para o Gajop, a dificuldade de manter contato com parentes, por causa da pandemia, complica a situação.
“O governo informou para a gente que está garantindo contato telefônico e videoconferência. Só que esses meninos jamais vão confidenciar situações de violência sofridas com um agente socioeducativo do lado. Daí a nossa urgência”, disse.
Investigações
Segundo a Polícia Civil, a apuração está sendo feita pela delegacia do Cabo. Ela foi deflagrada a partir do recebimento de um informe do Ministério Público de Pernambuco (MPPE).
Por meio de nota assinada pela promotora Poliana Eleutério de Souza, da 1ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania do Cabo de Santo Agostinho, o MPPE informou que "estão tramitando procedimentos administrativos que monitoram o funcionamento de unidades no município".
“As denúncias levadas a efeito pelo Gajop estão sendo analisadas e terão a adoção das medidas cabíveis”, informou o MPPE.
Em nota, a Funase informou que abriu um procedimento de investigação, em 22 de fevereiro de 2021. “A apuração deve ter as primeiras conclusões em até 20 dias, prorrogáveis por igual período”, informou.
O procedimento é conduzido pela Corregedoria da Funase. De acordo com a instituição, é um “setor independente e com funcionamento externo ao Case Cabo”.
A investigação, acrescentou a nota, apura a ocorrência, em dezembro de 2020, de uma suposta agressão praticada por internos contra outro "socioeducando".
A entidade disse que “as lesões, notificadas pelo jovem, na época, como decorrentes de uma queda durante uma partida de futebol, motivaram seu encaminhamento ao Hospital Dom Helder”.
A Funase disse, ainda, que “dispõe de protocolos específicos de prevenção e de comunicação de episódios de tortura ou agressões às autoridades que fiscalizam a execução das medidas socioeducativas.
"A instituição acompanha o caso e se coloca à disposição dos órgãos competentes para fazer todos os esclarecimentos necessários”, afirmou.
Conselho
Diante da denúncia, o presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, MacDouglas de Oliveira, afirmou que depois de receber o relatório do Gajop, foi realizada uma reunião da instituição.
Segundo ele, uma carta de recomendação para a Funase, feita no dia 8 de março, foi entregue na quarta (10).
“Vimos a importância do início das investigações, a partir dos dados relatados, e solicitamos o afastamento temporário da diretora para termos uma apuração sem intervenções”, disse.
O presidente do conselho afirmou, ainda, que a corregedoria da Funase instaurou investigação. “E, agora, aguardaremos o desfecho destas investigações”, declarou
Após o repasse sobre o andamento das investigações, o conselho poderá tomar alguma atitude, de acordo com o presidente. “Poderemos traçar os possíveis encaminhamentos”, disse MacDouglas de Oliveira.
Comandos
Por meio de nota, a Funase informou que a denúncia sobre “a existência de comandos exercidos por internos sobre outros socioeducandos do Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) Cabo de Santo Agostinho e de uma suposta conivência da gestão com esses fatos já se mostrou improcedente em diversas apurações da Corregedoria da instituição”.
A instituição disse, ainda, que o caso também “já foi averiguado por entidades como o Conselho Nacional do Ministério Público, em 2017, e o Comitê da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, em 2018”.
O comunicado enviado pela Funase também disse que inspeções “sistemáticas” são realizadas pela Vara Regional da Infância e Juventude do Cabo, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública estaduais, bem como por entidades da sociedade civil, como Gajop.
“Essa instituição realizou, de 2018 a 2020, dois projetos na área de direitos humanos dentro do Case Cabo, com pleno acesso a socioeducandos e funcionários, sem qualquer interferência da Funase, órgão aberto e disposto ao controle externo”, informou. Na nota, a instituição acrescentou que “o comando do Case Cabo está nas mãos de quem deve estar: o estado de Pernambuco. A gestão é feita pelos coordenadores da unidade, sem delegação a internos ou qualquer outra pessoa”.
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